Guerra civil espanhola

12-02-2012 20:44


 

 

A Guerra Civil espanhola (1936-39) foi o acontecimento mais traumático que ocorreu antes da 2ª Guerra Mundial. Nela estiveram presentes todos os elementos militares e ideológicos que marcaram o século XX.
 
De um lado posicionaram-se as forças do nacionalismo e do fascismo, aliadas às classes e instituições tradicionais da Espanha (O Exército, a Igreja e o Latifúndio) e do outro a Frente Popular que formava o Governo Republicano, representando os sindicatos, os partidos de esquerda e os partidários da democracia.

Para a Direita  espanhola tratava-se de uma Cruzada para livrar o país da influência comunista e da franco-maçonaria e restabelecer os valores da Espanha tradicional, autoritária e católica. Para tanto era preciso esmagar a República, que havia sido proclamada em 1931, com a queda da monarquia.

Para as Esquerdas era preciso dizer - um basta - ao avanço do fascismo que já havia conquistado Itália (em 1922), a Alemanha (em 1933) e a Áustria (em 1934). Segundo as decisões da Internacional Comunista, de 1935, elas deveriam aproximar-se dos partidos democráticos de classe média e formarem uma Frente Popular para enfrentar a maré de vitorias nazi-fascistas.

Desta forma Socialistas, Comunistas (estalinistas e troskistas) Anarquistas e Democratas liberais deveriam unir-se para chegar e inverter a tendência mundial favorável aos regimes direitistas

Foi justamente esse conteúdo, de amplo enfrentamento ideológico, que fez com que a Guerra Civil deixasse de ser um acontecimento puramente espanhol para tornar-se numa prova de força entre forças que disputavam a hegemonia do mundo. Nela envolveram-se a Alemanha nazista e a Itália fascista, que apoiavam o golpe do Gen. Franco e a União Soviética que se solidarizou com o governo Republicano.

Antecedentes

A Espanha ainda nos anos 30 era um anacronismo histórico. Enquanto a Europa ocidental já possuía instituições políticas modernas, nomínimo a um século a Espanha era um oásis tradicionalista, governada pela "trindade reaccionária"(O Exército, a igreja católica e o Latifúndio), que tinha sua expressão última na monarquia borbon de Afonso XIII.

Vivia nostálgica do seu passado imperial grandioso, ao ponto de manter um excessivo número de generais e oficiais , em relação às suas reais nnecessidades. A igreja, por sua vez, era herdeira do obscurantismo e da intolerância dos tribunais inquisitoriais do Santo Oficio, era uma instituição que condenava a modernidade como obra do demónio.

E no campo, finalmente, existiam de 2 a 3 milhões de camponeses pobres, "los -braceros",submetidos às práticas feudais e dominados por uns 50 mil "hidalgos", proprietários de metade das terras do país.

Como resultado da grave crise económica de 1930 (iniciada pela quebra da bolsa de valores de N. Iorque, em 1929), a ditadura do Gen. Primo de Rivera, apoiada pelo caciquismo (sistema eleitoral viciado que sempre dava seus votos ao governo), foi derrubada e, em seguida, caiu também a monarquia. O Rei Afonso XIII foi obrigado a exilar-se e proclamou-se a República em 1931, chamada de "República de trabajadores".

A esperança era que doravante a Espanha pudesse alinhar-se com seus vizinhos ocidentais e marchar para uma reforma modernizante que separasse estado e igreja e que introduzisse as grandes conquistas sociais e eleitorais recentes, além de garantir o pluralismo político e partidário e a liberdade de expressão e organização sindical.
 

Mas o país terminou por conhecer um violento enfrentamento de classes, visto que à crise seguida por uma profunda depressão económica, provocando a frustração generalizada na sociedade espanhola Mas o país terminou por conhecer um violento enfrentamento de classes, visto que à crise seguida por uma profunda depressão económica, provocando a frustração generalizada na sociedade espanhola.

Os partidos políticos

As esquerdas, obedecendo a uma determinação do Comintern (a Internacional Comunista controlada pela URSS), resolveram unir-se aos democratas e liberais radicais num Fronte Popular para ascender ao poder por meio de eleições. As esquerdas espanholas estavam divididas em diversos partidos e organizações, entre as quais:

 

Elas aliaram-se com os Republicanos (Acção republicana e Esquerda republicana) e mais alguns partidos autonomistas (Esquerda catalã, os galegos e o Partido Nacional Basco). Essa coligação, venceu as eleições de Fevereiro de 1936, dominando 60% das Cortes (O parlamento espanhol), derrotando a Frente Nacional, composta pelos direitistas. 

A Direita por sua vez estava dividida agrupada na CEDA (Confederação das Direitas autónomas), no partido agrário, nos monarquistas e tradicionalistas (carlistas) e finalmente pelos fascistas da Falange espanhola(liderados por José António Primo de Rivera).

A questão religiosa na Guerra Civil

O liberalismo, na Espanha, tinha, desde os inícios do século XIX, sido violentamente anticlerical; entre os anarquistas, muito influentes na Esquerda, o anticlericalismo havia sido sempre particularmente agressivo, ao contrário dos socialistas marxistas. Na medida em que a Guerra Civil foi a conclusão dos enfrentamentos político-ideológicos do século XIX espanhol, a identificação da Igreja com a Direita determinou o anticlericalismo da Esquerda na sua generalidade:

Já em 14 de Outubro de 1931, no jornal El Sol, o então primeiro-ministro Azaña equiparara aproclamação da República com o fim da Espanha católica, e durante a Guerra Civil, comoPresidente da República, teria dito num de seus discursos, que preferia ver todas as igrejas de Espanha incendiadas a ver uma só cabeça republicana ferida, e o radical catalão Alejandro Leroux teria conclamado a juventude a destruir igrejas, rasgar os véus das noviças e "elevá-las à condição de mães".

A perseguição anticatólica durante a Guerra Civil apenas continuou um padrão já existente: nos só quatro meses que precederam a guerra civil já 160 igrejas teriam sido incendiadas. Durante a Guerra, pela repressão republicana, segundo o historiador Hugh Thomas, foram mortos 6861 religiosos católicos (12 bispos, 4.184 padres, 300 freiras, 2.363 monges); uma obra mais recente, de Anthony Beevor, dá números muito semelhantes (13 bispos, 4.184 padres seculares, 283 freiras, 2.365 monges).
 
Quando qualquer política de tendências totalitárias, seja de esquerda ou direita, tenta estabelecer-se num país, sempre ataca a Religião Católica, ou qualquer outra, por ser a única força organizada capaz de se lhes opor. No fundo nunca tem que ver, com o ser ou não religioso.

De acordo com o artigo espanhol, foram destruídas por volta de 20.000 igrejas, com perdas culturais incalculáveis pela destruição concomitante de retábulos, imagens e arquivos. Diante disto, é pouco surpreendente verificar que a Igreja Católica, tenha chegado, na sua generalidade a propagandear a revolta contra o governo e chegado a compará-la, numa declaração colectiva de todo o episcopado (1 de Julho de 1937) com uma cruzada moderna.

Note-se, no entanto, que os mesmos bispos espanhóis, numa carta de 11 de Julho do mesmo ano de 1937, mostraram-se ciosos em desmentir à opinião católica liberal, que via na intransigência conservadora do clero espanhol a razão das perseguições por ele sofridas, argumentando que a Constituição republicana de 1931 e todas as leis subsequentes haviam dirigido a história da Espanha num rumo contrário à sua identidade nacional, fundada no Catolicismo- ou, nas palavras do Cardeal Segura y Sáenz: na Espanha ou se é católico ou não se é nada.

Muito embora houvessem sido realizados esforços de propaganda pelos republicanos no exterior em favor da liberdade religiosa (o Ministro da Justiça do governo Negrín, Manuel Irujo, autorizou o culto católico, que, no entanto, na prática realizou-se de forma semi-clandestina de forma a não alienar a opinião pública católica internacional e os próprios grupos católicos no campo republicano (muito notadamente o principal partido basco, o PNV) o campo republicano era em geral anticlerical e apoiava a repressão à Igreja.

Por outro lado, o escritor e filósofo católico francês Jacques Maritain protestou violentamente contra as repressões franquistas contra o clero basco, e teria dito que "a Guerra Santa, mais do que ao infiel, odeia ardentemente os crentes que não a servem".

O golpe militar e a guerra civil

O clima de turbulência interna motivado pela intensificação da luta de classes, especialmente entre anarquistas e falangistas que provocou inúmeros assassinatos políticos contribui para criar uma situação de instabilidade que afectou o prestígio da Frente Popular. Provavelmente as desavenças internas dos integrantes do Fronte Popular mais tarde ou mais cedo fariam com que o governo desandasse. 
Mas a direita espanhola estava entusiasmada com o sucesso de Hitler ( esmagamento das esquerdas na Alemanha, militarização da Renânia, etc...) que se somou ao golpe direitista de Dolfuss na Áustria, em 1934. 

Derrotados nas eleições, os direitistas passaram a conspirar com os militares e a contar com o apoio dos regimes fascistas da Alemanha com Hitler, da Itália, de Mussolini e do regime totalitário de Oliveira Salazar em Portugal. Esperavam que um levante dos quartéis, seguido de um pronunciamento dos generais, derrubariam facilmente a República.

No dia 18 de Julho de 1936, o General Francisco Franco insurge o Exército contra o governo republicano. Ocorre que nas principais cidades, como a capital Madrid e Barcelona, a capital da Catalunha, o povo saiu as ruas e impediu o sucesso do golpe. Milícias anarquistas e socialistas foram então formadas para resistir o golpe militar.

O país em pouco tempo ficou dividido numa área nacionalista, dominado pelas forças do Gen. Franco e numa área republicana, controlada pelos esquerdistas. Nas áreas republicanas ocorreu então uma revolução radical social. As terras foram colectivizadas, as fábricas dominadas pelos sindicatos, assim como os meios de comunicação.
 
Em algumas localidades, os anarquistas chegaram até a abolir o dinheiro.Em ambas as zonas matanças eram efectuadas através de fuzilamentos sumários. Padres ( só religiosos foram fuzilados cerca de 7000), militares e proprietários eram as vítimas favoritas dos "incontroláveis", as milícias anarquistas, enquanto que sindicalistas, professores e esquerdistas em geral, eram abatidos pelos militares nacionalistas. O número exacto de vitimas, ainda hoje é questão de debate entre os historiadores.
 

A intervenção estrangeira

Como o golpe não teve o sucesso esperado, o conflito tornou-se uma guerra civil, com manobras militares clássicas. O lado nacionalista de Franco conseguiu imediato apoio dos nazistas (Divisão Condor, responsável pelo bombardeamento de Madrid e de Guernica) e dos fascistas italianos (aviação e tropas de infantaria e blindados) enquanto que Stalin enviou material bélico e assessores militares para o lado republicano. 

A pior posição foi tomada pela França e a Inglaterra que optaram pela "Não-Intervenção". Mesmo assim, não foi possível evitar o "engajamento" de milhares de voluntários esquerdistas e comunistas que vieram de todas as partes (53 nacionalidades) para formar as Brigadas Internacionais (38 mil homens) para lutar pela defesa da República.

A crise entre as esquerdas

Stalin temia que a revolução social desencadeada pelos anarquistas e trotsquistas pusesse em perigo a defesa da República. Ordenou então que o PC espanhol comandasse a supressão das milícias (que seriam absorvidas por um exército regular) e um expurgo no POUM (uma pequena organização pró-trotsquista). 

O que foi feito em Maio de 1937. Essa divisão íntima das esquerdas, entre pró-revolução e pró-república, debilitou ainda mais as possibilidades defensivas do governo republicano.

A política de Stalin e a derrota da República

Para os anarquistas e outros críticos de Extrema Esquerda, boa parte da culpa da derrota do campo republicano espanhol pode ser creditada à política de Josef Stalin, que, desejoso da vitória da República, mas temendo que esta vitória levasse a uma revolução socialista na Espanha que criasse complicações diplomáticas à União Soviética -pois um "Outubro Espanhol" criaria uma divisão ideológica na Europa Ocidental que actuaria contra a política de uma Frente Popular antifascista que era o grande objectivo de Stalin à época - foi capaz apenas de realizar uma ajuda militar tímida, pelo envio de alguns militares, aviões e armas (por estas exportações de armas, Stalin fez-se pagar com a reserva de ouro do Banco Central Espanhol.

O GPU

Segundo este ponto de vista, instalou na Espanha uma série de agentes da sua polícia secreta, o GPU, que desencadeou uma política de repressões indiscriminadas contra militantes de Extrema Esquerda, anarquistas e trotskistas, visando conter a Guerra Civil dentro de um marco democrático-liberal. O ponto alto destas repressões foi a prisão e morte sob tortura de Andreu Nin, dirigente catalão do semi-trotskista POUM - Partido Operário de Unificação Marxista. Para cúmulo, Stalin ainda encarcerou e matou como traidores os executantes desta política (tais como o velho bolchevique Antonov-Ovssenko, que havia comandado em 1917 a tomada do Palácio de Inverno do czar em São Petersburgo quando do seu retorno à URSS, de modo a impedir o questionamento de sua política espanhola.

E Isaac Deutscher sumariza: ao tentar preservar a respeitabilidade burguesa da Espanha republicana, sem querer antagonizar as democracias liberais europeias, Stalin não preservou nada e antagonizou a todos: a causa da revolução socialista foi perdida, sem que a Direita europeia, por um momento sequer, deixasse de ver em Stalin o agitador revolucionário.

Teve fim a guerra com a consequência da morte de mais de 400 mil espanhóis e uma queda enorme na economia, como a morte de mais da metade do gado, a queima de vários campos e milhões de moradias destruídas. Um abalo financeiro e queda do PIB que demorou quase 30 anos para se normalizar. Outras fontes ressaltam a dificuldade em quantificar o número de mortos por causa da guerra originada pelo chamado "Movimiento Nacional", mas colocam o dado para todo o período do franquismo de mais de 2 milhões de pessoas mortas sob o regime de Franco.

 

O fim da guerra 



A superioridade militar do Gen. Franco, ( Franco foi depois de Napoleão, o general mais jovem - 33 anos - na Europa ), a unidade que conseguiu impor sobre as direitas, foi factor decisivo na sua vitória sobre a República. Em 1938 suas forças cortam a Espanha em duas partes, isolando a Catalunha do resto do país.

Em Janeiro de 1939, as tropas do gen. Franco entram em Barcelona e, no dia 28 de Março, Madrid rende-se aos militares depois de ter resistido a poderosos ataques (aéreos, de blindados e de tropas de infantaria), por quase três anos. As baixas da Guerra Civil oscilam entre 330 a 405 mil mortos, sendo que apenas 1/3 ocorreu na guerra. 

Meio milhão de prédios foram destruídos parcial ou inteiramente e perdeu-se quase metade do gado espanhol. A renda per capita reduziu-se em 30% e fez com que a Espanha afundasse numa estagnação económica que se prolongou por quase trinta anos.